Outro dia tive uma experiência insólita: fui comer em um restaurante duas estrelas do Michelin por acaso e sem saber. E não gostei.
Explico: era domingo, eu e meu namorado queríamos sair um pouco de Bologna para almoçar e decidimos ir a Mantova. Como de praxe, demos uma olhada no Trip Advisor, no mapa, e resolvemos ir a um lugar a 40 quilômetros de lá, Ristorante dal Pescatore, em Canneto sull’Oglio, indicado como um dos melhores restaurantes ali da região, mas sequer nos demos ao trabalho de ler as opiniões. Apenas ligamos e reservamos.
Pois bem, partimos domingo de manhã e, depois de atravessar uma estrada um pouco isolada, finalmente chegamos ao estacionamento. Primeiro sinal de que tinha alguma coisa estranha no ar: havia um Lotus e um Morgan estacionados.
Ao entrar, vimos que a coisa era mais séria do que tínhamos imaginado: havia dois senhores, pai e filho, de terno e gravata, que faziam as vezes de mestres de cerimônia e que nos escoltaram à mesa; os outros comensais estavam vestidos como eu normalmente me vestiria se fosse a um casamento (eu estava de rasteirinha), e um batalhão de pessoas trajadas “à la penguim” serviam as mesas – e trocavam o guardanapo de linho cada vez que alguém se levantava para ir ao banheiro.
Mas tudo isso não importa. Vamos à comida.
O menu, que se apresentava na versão “da uomo” (“de homem”), com preços, e “da donna”, sem, era enxuto, com ênfase à cozinha tradicional. Matérias primas nobres, como fois gras, carnes de caça e lagosta, mas sem grandes invenções ou pirotecnias
Escolhemos começar com bom um prato de culatello e salame da região, acompanhado de 5 mini polentinhas com lardo e uns grãozinhos de pistache em cima. Depois, como primo piatto, tortelli di zucca (pasta fresca recheada com abóbora e amaretto), manteiga e sálvia – típico da zona de Mantova – e um risoto com ervilhas, aspargos e funghi porcini. Prosseguimos, após de uma espera de quase uma hora, com uma enguia grelhada com saladinha cultivada no jardim da casa e o único prato realmente digno de nota, um lombo de cabrito ao Cabernet e mirtilo incrivelmente macio e saboroso.
Mas confesso que saí de lá, depois de mais de três horas de almoço, insatisfeita. O veredito: eu, sinceramente, não comi bem. O recheio da pasta era muito doce para meu gosto (ainda que eu saiba que a tradição mantovana pede que seja assim); o risoto não tinha personalidade (dava a impressão de que qualquer mamma italiana poderia ter feito melhor); e não consegui terminar minha enguia, que era gordurosíssima– entendo que esse peixe é dos mais gordos que existem, mas se tivessem sido feitas incisões na pele, por exemplo, imagino que preparação na grelha teria feito a gordura derreter melhor e permear a carne mais uniformemente.
Além da comida, percebi algumas confusões: ambiente sofisticado e atendimento atencioso não são sinônimos de afetação e serviço invasivo (por exemplo, garçom que coloca o açúcar no café do cliente não é chique, é quase agressivo). E, claro, o preço (280€) não se justificou – preço elevado e menu tradicional devem implicar excelência na elaboração de receitas simples e uma experiência diferente e superior à que se tem em uma boa trattoria tradicional, ou em casa.
Mas foi só no dia seguinte, em um jantar com amigos gourmets, que ficamos sabendo que aquele era um dos restaurantes mais conhecidos do país, certificado com três estrelas do Michelin e cuja chef, Nadia Santini, foi eleita algumas vezes a melhor chef mulher do mundo.
Talvez, o fato de termos ido sem saber do que se tratava e sem grandes expectativas tenha feito o nosso parecer mais imparcial, mas é assim que deve ser. Selo nenhum substitui o que é feito na cozinha e certificações são indicações de qualidade, mas não garantia. E, agora que o guia mais famoso do mundo chegará ao Brasil, é importante que isso fique claro.
FloCiBO 