Poucas coisas são mais reconfortantes do que a sensação de voltar pra casa. Mesmo que o conceito de casa seja relativo, ou temporário, tornar àquilo que é familiar é um alívio.
Pouco tempo atrás, passei uns dias no litoral sul da França e, a despeito de todas as maravilhas e de todo o luxo, um dos melhores momentos da viagem (pelo menos do ponto de vista gastronômico) foi quando reentrei no território italiano.
Se a cozinha francesa tende a ser muito elaborada e repleta de sabores fortes – muitas ervas, muita manteiga, muito creme, muito alho; e tudo misturado – a cozinha italiana é essencialmente uma cucina povera (“cozinha pobre”). Ou seja, os pratos são feitos com poucos ingredientes de altíssima qualidade e a menor interferência possível em seu sabor; como faziam os pobres de épocas passadas, que não tinham muita variedade à disposição e deviam fazer o máximo com o mínimo.
Sentindo falta dessa simplicidade, e depois de ter enfrentados preços quase abusivos em todos os lugares por onde andamos na França, ao voltar para a Itália – fizemos tudo de carro – eu e meu namorado resolvemos radicalizar e comer em um dos lugares mais rústicos que ele já tinha ido: “amore, não é bem um restaurante…mas a comida é buonissima!!!” E, de fato, basta o nome do lugar para entender o que ele quis dizer: La Barracchetta (ou seja, “a barraquinha”), na região de Ortonovo, no litoral da Toscana.
Se, poucos dias antes, visitamos tantos lugares “bonitinhos mas ordinários”, ali é o exato oposto: no meio do nada (“Google Maps não chega aqui, senhor”, disse a proprietária, quando lhe dissemos que havíamos nos perdido per quase uma hora), sob uma tenda gigante e sobre chão de pedriscos, há algumas mesas gigantes, de madeira, com bancos ainda maiores; cada pessoa tem direito a um só copo, para o vinho e para a água, o guardanapo é de papel e, no final, gasta-se mais ou menos 20€ em dois.
Mas, qual é o barato do lugar? A cozinha. Comandada por um batalhão de nonne (“avós”) locais, dali saem os poucos, mas tradicionalíssimos pratos do menu, executados à perfeição – como só alguém que faz aquilo há tanto tempo pode fazer.
Para começar, pedimos uma porção dupla de panigacci, que é uma espécie de panqueca aberta, um pouco menos elástica e com as bordinhas mais crocantes, que só se encontra naquela zona – e na região vizinha, a Ligúria – com um delicioso ragu de carne (a foto no início do post). Depois, o carro-chefe da casa: “muscoli ripieni” (cujo nome não é nem em italiano, mas em toscano, e que em português quer dizer “mexilhões recheados”). Cada um deles é uma bomba de sabor: as conchas são recheadas com uma mistura de mexilhão, mortadela, alho, salsinha, pão, um pouco de queijo ralado e ovo para dar liga, e cozida no molho de tomate. O salgado do molusco combina perfeitamente com a delicadeza da mortadela e a doçura do molho de tomates e o sabor criado é a um só tempo inusitado e familiar.

Infelizmente, faltou espaço na barriga para experimentar os sgabei (que são tipo uns pasteizinhos ocos, onde se colocam frios – como o gnocco fritto, do qual falei aqui) – as rãs ao sugo, o coelho frito, a enguia frita… mas, a um lugar assim, onde qualquer um se sente tão à vontade, retornar será como voltar para casa – e não vejo a hora.
La Barracchetta, Via Appia Antica, Ortonovo, Toscana, Italia.