No Paladar do Estadão desta semana, tem mais uma participação minha, desta vez sobre o ragu. Como o que foi publicado foi muito pouco comparado ao que eu gostaria de contar pra vocês, fica aqui o texto original.
Na Itália, procurar “o melhor ragu” seria, mal comparando, como procurar o melhor feijão com a arroz no Brasil. Ragu, aqui, é o nome genérico dado ao molho de macarrão que leva carne, e que pode ser feito com carne de vaca, linguiça, caças como o javali (típico da Toscana), coelho e até peixes e frutos do mar. A escolha, claro, interfere no tempo de cozimento, mas, à exceção do molho à base de peixes, uma das regras em comum é o fato de o tempo de cozimento ser muito longo, de pelo menos duas horas.
Mas o consenso termina aí. Nem mesmo o uso de tomates é crucial: o molho pode ser também “in bianco”, como o ragu de coelho, ou somente à base de vinho tinto, como algumas vertentes do ragu de cervo.
Mesmo em se tratando do famoso “ragù alla bolognese” (que no Brasil virou o genérico “molho à bolonhesa”), as receitas variam muito; do corte da carne, passando pelo uso (ou não) do leite, até ao tipo de gordura utilizada (se azeite, óleo, manteiga…).
Dentre as inúmeras versões, existe uma “receita oficial”, registrada em 17 de outubro de 1982 na Câmera do Comércio de Bolonha por uma delegação da Accademia Italiana della Cucina. Ali, os ingredientes usado são carne moída (que pode ser ponta de agulha, paleta, ou raquete), pancetta (o bacon italiano), cenoura, aipo, cebola, molho de tomate, vinho branco, leite, caldo, azeite e temperos.
Quem segue (quase) à risca essa versão é o chef de um dos ragus mais conhecidos da cidade, o da Osteria dell’Orsa (Via Mentana 1/F, Bolonha). Desse restaurante, sempre repleto de universitários, é tarefa difícil não sair satisfeito: para matar a fome dos clientes, cada prato do carro-chefe, a tagliatella al ragù, custa a módica quantia de 7 euros e vem com 130g de massa fresca, feita ali mesmo.
A receita do molho, cozido no mínimo por 5 horas – mas que continua a borbulhar por toda a noite em uma espécie de banheira de alumínio – é feita há mais de 25 anos pelo Chef Nano. Ali, aproximadamente dez litros de ragu são feitos quase diariamente. “Se eu uso pancetta? Uso sim, mas gosto mesmo é de colocar uns pedacinhos do prosciutto junto quando sobra aqui no restaurante…dá mais sabor. Mas de óleo uso sempre só metade de azeite e metade de óleo vegetal, se não fica muito forte…”

Diferente de Nano, para diminuir a quantidade de gordura, hoje em dia é comum encontrar ragus feitos com cortes de carne mais magros, e também com a linguiça no lugar da pancetta.
Mas a discórdia sempre termina na hora da escolha da massa: o acompanhamento tradicional do ragu bolonhês é, indiscutivelmente, a “tagliatella” fresca, feita com ovos e preferencialmente à mão. Outro ponto de convergência é que, no momento de servir, um bom punhado de Parmigiano Reggiano ralado é sempre bem-vindo.
No mais, a resposta para a pergunta “qual é o melhor ragu”, aqui em Bolonha, é sempre previsível: cada um tem a sua opinião.
