
Uma das coisas, na minha opinião, mais fascinantes da comida é seu potencial de criar laços entre as pessoas. Seja em um âmbito micro, como uma mãe que faz comida a seus filhos, ou um grupo de amigos que sai para jantar para comemorar; ou em uma esfera mais ampla, como uma das bases da criação de uma identidade nacional, ou de unidade de um povo.
Tudo isso pode parecer um tanto abstrato, mas comecei a me dar conta enquanto lia o livro Formação da Culinária Brasileira – Escritos sobre a cozinha inzoneira, do sociólogo Carlos Alberto Dória (recomendo vivamente essa obra, que é capaz de jogar por terra muitos clichês sobre a “cozinha brasileira”), no qual, em um trecho, o autor argumenta que Monteiro Lobato teve grande influência na criação de uma culinária brasileira, ao coordenar a publicação do mais famoso livro de receitas do nosso pais, o Dona Benta – Comer Bem (1940). Essa obra teria sido fundamental na medida em que, em um período (início do século XX) no qual grande parte da população brasileira sofria com graves déficits nutricionais, foi capaz de reunir receitas equilibradas e saudáveis, contribuindo para “sistematizar uma dieta conveniente para o país”.

As receitas da Dona Benta (ou seria melhor dizer da Tia Anastácia?) passaram a ser replicadas de norte a sul, em inúmeras cozinhas brasileiras – como a minha, da minha mãe, da minha avó… – tornando-se, assim, o compêndio “oficial” das receitas tradicionais brasileiras; além de um dos presentes mais úteis para todo mundo que vai morar sozinho!
Mas, na verdade, com esse post quero apresentar um outro clássico, dessa vez italiano, que teve mais ou menos a mesma função, na Itália. Aqui, um livro de receitas, mais do que qualquer outra obra literária, foi capaz de unir as mais diversas tradições das cozinhas regionais da Itália – tão diferentes entre si – logo depois da unificação do país, em 1861.
Trata-se do livro sagrado da culinária italiana: o La Scienza in cucina e l’Arte di mangiar bene, de Pellegrino Artusi.

Esse livro, publicado em 1891 traz, em suas edições atuais, aproximadamente 800 receitas clássicas italianas (com ênfase principalmente na tradição da Emilia Romagna e da Toscana). Algumas delas vêm precedidas de comentários engraçados, historicamente relevantes, ou simplesmente curiosos feitos pelo autor e são consideradas, hoje, referência absoluta para todos que querem escrever sobre o tema, ou simplesmente cozinhar – Artusi, inclusive, disse que queria que seu livro fosse “útil na cozinha como uma colher de pau”. E conseguiu.
Nascido na pequenina San Ruffilo di Forlimpopoli (província de Forlì, Emilia Romagna), não só alcançou a proeza de disseminar os hábitos culinários entre as diferentes regiões, como de transmitir para todas as gerações seguintes uma certa coesão daquilo que passou então a ser conhecido mundialmente como “a cozinha italiana”. Para se ter uma ideia, o primeiro a “codificar” a combinação macarrão e molho de tomates foi ele.
La Scienza in cucina e l’Arte di mangiar bene, conta com mais de 110 edições em italiano, e foi traduzido em diversas línguas, inclusive para o português (“A ciência na cozinha e a arte de comer bem” – tradução de Anabela Cristina Costa da Silva Ferreira, Ed. Associação Emiliano-Romagnola Bandeirante, Itu – 2009. É possível comprar online, por exemplo, pela Saraiva).

E, mesmo que ainda não tenha conseguido testar todas as receitas, carrego essa obra sempre por perto – tenho duas versões, em papel e digital – e tenho certeza de que se trata de uma das referências mais importantes para todos que queiram conhecer melhor, ou experimentar, o que é que a Itália tem.
