Especial Trufas #4 – Restaurantes em BO

No quarto e último post da série especial sobre trufas, o FloCiBO esclarece que não existe “a melhor trufa da Itália” e que é possível degustar ótimos exemplares em quase todo território, inclusive nos arredores de Bologna.

Na Itália, existe uma coisa chamada “campanilismo”, uma expressão que deriva da palavra “campanile” (“sino”, normalmente de uma igreja), que antigamente era o símbolo da demarcação de uma cidade – cada vilarejo, ainda que mínimo, tinha o seu. Tal expressão denota o apego, às vezes exagerado, ao próprio território. bell

O lado bom é que, assim, costumes, tradições e, por que não, receitas e ingredientes são preservados com unhas e dentes. Por outro lado, não é raro se deparar com rivalidades entre vizinhos de território que fariam palmeirenses e corinthianos enrubescerem…

Na verdade, o país inteiro é multifacetado e cada uma das 20 regiões tem peculiaridades e tradições muito marcadas. Não é de se estranhar: a unificação da Itália ocorreu só em 17 de março de 1861; até então, cada região tinha sua herança histórica particular, tendo pertencido a reinos e impérios distintos, e sofrido a influência de povos bem diferentes ao longo da história.

Mas por que raios estou falando disso quando o assunto desse post é trufa? Pois bem, esse preâmbulo serve para alertar que, em se tratando de um ingrediente tão precioso, constatações sobre qual é a melhor trufa da Itália são praticamente inúteis. Cada região tem certeza que a sua é melhor.City

Como já falei nos post anteriores, as trufas brancas mais famosas são as de Alba, no Piemonte. Mas, na verdade, o que se diz em todas as outras regiões “produtoras” de trufas é que a qualidade não depende tanto da localidade, mas do tempo que ela demora para completar seu inteiro ciclo reprodutivo; da profundidade onde se encontra o corpo frutífero do fungo (i.e. a trufa) e ainda das características do solo – se mais ou menos permeáveis à agua e aos raios de sol.

As trufas piemontesas podem até ser maiores, mais bonitas, e revestidas de uma certa aura de glamour, mas não há qualquer unanimidade no dizer que são, a priori, as melhores.

A coisa mais próxima do consenso que Alba conseguiu foi a criação de uma associação nacional, a Associazione Nazionale Città del Tartufo, que nasceu ali, mas que hoje conta com a participação de aproximadamente 50 cidades italianas que se uniram para também promover seus territórios como localidades abençoadas por esse fungo.

Benvenuti a SavignoA mais perto de Bologna é Savigno, que apesar do tamanho diminuto – uma praça com uma igreja (e seu respectivo sino, claro) e umas cinco ruas – se tornou uma referência do comer bem. Um dos protagonistas de tal conquista é o restaurante com uma estrela Michelin, Trattoria da Amerigo.

Como já falei dele aqui, não vou me repetir (dá uma espiada no post que fiz algum tempo atrás), mas quero acrescentar duas informações essenciais: primeiro, principalmente na época das trufas, reserve com MUITA antecedência (pelo menos umas duas semanas antes). Segundo, se você tiver a sorte de ir, não perca em hipótese alguma o carro-chefe da casa: “Uova Amerigo ai due tartufi” (“Ovos Amerigo com duas trufas”).

Uova Amerigo - Foto Simone Tortini
Uova Amerigo 2016 (Foto Simone Tortini)

Já falei por aqui que ovos e tartufos são melhores amigos. Mas e se, ao invés do bom e velho ovo frito, você se deparasse com dois ovos: um pochê, que depois é empanado “à milanesa” e recoberto de lascas de trufas negras e, do lado, uma espécie de ovos nevados com a gema líquida dentro, servido com um creme de Parmigiano Reggiano e tartufo branco polvilhado por cima…? Dá tão certo que esse prato entrou no menu em 2003 e, mesmo com variações sazonais, nunca mais saiu.

Uova Amerigo 2015

Neste ano, tive a sorte de conhecer outro restaurante excelente daquela região. Foi por acaso: meu pai estava vindo me visitar e eu queria muito levá-lo ao Amerigo. Mas comi bola, tentei reservar com uma semana de antecedência e não tinha mais lugar. Desesperada, pedi ajuda de uma amiga bolonhesa, que trabalha em um restaurante em Paris, e ela – santa! – me sugeriu a Trattoria Lina.

Trattoria LinaEsse restaurante, muito mais rústico (e menos caro) que o Amerigo, nasceu em 1956, inicialmente como uma mercearia de produtos típicos. Mais tarde, nos anos 70, se transformou em um restaurante cuja missão é respeitar rigorosamente a tradição culinária local e os ingredientes da época.

Gostei tanto que fui dois finais de semana seguidos. As massas frescas – que variam – com trufas brancas são imbatíveis. Tudo muito simples: passadas na manteiga, com uma gotinha de creme de leite – que eu normalmente repudio, mas desse jeito funciona – e muitas lascas de trufas perfumadíssimas por cima. Aliás, entrar no restaurante é uma experiência quase surreal: primeiro, você toma um tapa de tartufo na cara – o aroma é realmente fortíssimo lá dentro. Depois, meio zonzo, vê a quantidade de camisas do Bologna F.C. (time de futebol da cidade) penduradas pelas paredes e, com o calor da lareira que fica logo do lado da porta fica ainda mais atordoado. Só depois que uma das garçonetes – com o avental sujo de ovo e farinha de quem acabou de sair da cozinha – te leva à mesa é que você relaxa.

Maccheroncini alle ortiche con tartufo bianco
Maccheroncini alle ortiche con tartufo bianco – parecem amêndoas, mas são trufas…

Falando nisso, se você for nessa época, quando a casa está sempre lotada, é bom estar bem relaxado mesmo, porque o serviço, apesar de muito gentil, é bem confuso. Mas a espera vale a pena. E quero voltar logo – quem sabe neste fim de semana…

No entanto, e se você vier pra Bologna, quiser comer trufas mas não tiver um carro para ir a Savigno? Te dou duas opções. A primeira, um restaurante especializado nesse ingrediente, a Trattoria Il Tartufo. Em um ambiente que parece um chalé de montanha, meu conselho é pedir ou uma massa fresca ou um risoto finalizados (“mantecato”) na fôrma de queijo Parmigiano Reggiano, com trufas frescas raladas por cima. Funciona assim: a dona do restaurante vem em direção à mesa, empurrando um carrinho com uma fôrma gigante de queijo em cima, pega a massa ou o risoto recém saídos da cozinha, coloca dentro da fôrma e gira tudo por alguns minutos, para absorver o gostinho do Parmigiano. Por fim, transfere o resultado para um prato e rala trufas frescas por cima. Nada mal, não?

A segunda opção é xeretar se no dia da sua visita à cidade algum restaurante tradicional está servindo excepcionalmente pratos com trufas. Sei que o Da Cesare faz isso, e às vezes o Diana também (o último não figura na lista dos meus restaurantes favoritos da cidade, ainda que seja um restaurante histórico e muito famoso, mas pelas trufas pode valer a pena).

Tartufo - Trattoria Lina
Tartufo – Trattoria Lina

E, assim, eis que chega ao fim o Especial Trufas do FloCiBO. Espero que tenha gostado.

Um beijo e até a próxima!

Restaurantes indicados:
Trattoria da Amerigo (Via Guglielmo Marconi, 14-16, Savigno)
Trattoria Lina (Via Samoggia, 2109/A, Savigno)
Trattoria Il Tartufo (Via del Porto, 34, Bologna)
Ristorante Da Cesare (Via de’ Carbonesi, 8, Bologna)
Ristorante Diana (Via Indipendenza 24, Bologna)

2 Comments

  1. Eu quero ir comer trufas nesse tal de Amerigo. Belo post: fiquei com agua na boca. Bj.

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  2. Impecável e saborosíssimo! Um primor, minha filha! Beijos

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